ACERVO DE PROJETOS SOBRE GÊNERO, SEXUALIDADE E FEMINISMO DESENVOLVIDOS EM ESCOLAS
"MULHERES NA HISTÓRIA"
"MOSTRATEC 2015"
"MULHERES INSPIRADORAS"
"MULHERES NA HISTÓRIA"
"MULHERES NA HISTÓRIA"
"EDUCAÇÃO PARA A EQUIDADE DE GÊNERO: MULHERES PROTAGONISTAS DE SUA HISTÓRIA"
"ESCOLA SEM HOMOFOBIA: REFLETINDO SOBRE CONCEITOS, PRECONCEITOS, POSTURAS E VALORES"
"ESCOLA INCLUSIVA"
Este é um acervo de projetos já desenvolvidos em escolas brasileiras, sendo alguns projetados por professoras(es) isoladas(os), outros pelas escolas como um todo e outros ainda que surgiram por propostas de alunas(os). Alguns desses projetos são, na verdade, mostras ou premiações que agregam vários projetos dentro deles, como é o caso da “Mostratec 2015” e o “Elas nas exatas 2017” e “Elas nas exatas 2018” que aqui foram reunidos por questões organizacionais e estéticas.
Para saber sobre cada um dos projetos (a escola em que foi desenvolvido, a cidade, o ano e a proposta do projeto) basta clicar na caixa que o contêm que abrirá um resumo dos projetos e alguns links para mais informações (para celulares é preciso clicar mais de uma vez) .
Ao final da lista há também as análises que desenvolvi a partir da leitura (uma leitura feminista) desses projetos. – Clique aqui para pular direto para as análises.
"ESCOLA INCLUSIVA"
GALERIA DA IMAGENS
Projeto #NativasDigitais | Elas nas Exatas- Projeto Empoderadas | Projeto Mulheres Inspiradoras |
---|---|---|
Projeto Escola Acolhedora | Elas nas Exatas - Projeto Empoderada | Projeto Papeis Sociais: mudanças e permanências nos séculos XX e XXI |
Projeto Papeis Sociais: mudanças e permanências nos séculos XX e XXI | Projeto Meninas no Museu de Astronomia e Ciências Afins | Projeto Meninas no Museu de Astronomia e Ciências Afins |
Projeto Poder do Crespo e Empoderamento | Mostratec 2015- O Feminismo e a Moda | Projeto Mulheres Inspiradoras |
Elas nas Exatas- Projeto Empoderadas | Mostratec 2015 - Manifesto contra o Machismo | Projeto lutar também é para meninas |
Elas nas Exatas - Projeto "Elas nas Ciências" | Elas nas Exatas - Projeto Oguntec |
O QUE ESSES PROJETOS TEM A NOS DIZER?
Em tempos de retrocessos, onde grupos conservadores defendem projetos de escola em que seriam cortados todos os debates que não se encaixam em sua agenda partidária, religiosa e moralista, é preciso, mais do que nunca, resistir. Os projetos aqui reunidos resistem de formas múltiplas e nos apresentam uma pluralidade de formatos, conteúdos e meios de inserir no ambiente escolar discussões a respeito das temáticas de gêneros, sexualidades e feminismos, mas, mais do que isso, de também trazer a tona as relações que as alunas e alunos mantêm diariamente com estas questões em suas vidas. Um dos argumentos utilizados por projetos como o “Escola sem partido” que pregam que discutir questões de gênero nas escolas seriam parte de doutrinação partidária de jovens e crianças. No entanto, não falar sobre estas questões é desconsiderar que elas estão perpassando todas as relações que alunas, alunos, professoras e professores mantêm dentro da escola – sejam elas mulheres e homens cis, heterossexuais ou LGBTs.
Além disso, como defende a bióloga e antropóloga Donna Haraway, todo o conhecimento que é passado nas escolas, por mais neutro e científico que pareça, é produzido por pessoas com corpos, com gênero, raça, sexualidade e tudo aquilo que produz é informado pelas Corporalidades e interseccionalidades que o compõem. Portanto, não discutir gênero nas escolas, não faz com que a escola, o currículo e os conteúdos não sejam generificados, mas sim que apenas as identidades e sexualidades normativas sejam permitidas e que as violências contra mulheres e pessoas LGBTs permaneçam sem problematizações.Uma vez que admitamos que a escola é, emtodos os seus sentidos e meios, perpassada por gênero, por raça, por sexualidades e classes, é preciso utilizar isto politicamente na luta por uma escola e uma sociedade mais igualitária, mais respeitosa com as diferenças e mais comprometida com as estas causas. É preciso, portanto, discutir a respeito das sexualidades que operam fora da heteronormatividade, das identidades de gênero que transgridem a cisgeneridade e das lutas feministas que resistem às imposições patriarcais reivindicando igualde de direitos e reinventam existências e formas de ser mulher.
É a partir dessas necessidades e lutas que estes projetos nasceram em 18 Estados das 5 regiões brasileiras, versando sobre temáticas variadas. Uma primeira questão que me pareceu central, a partir da leitura e análise desses projetos, é uma preocupação em discutir violências contra mulheres e LGBTs, machismos, assédios e homofobias, de forma a incentivar o diálogo e, através de debates, promover o respeito dentro do ambiente escolar.Esses projetos tem como base a luta pelo fim das desigualdades de gênero, mas também das violências misóginas e LGBTfóbicas às quais Butler ( se refere enquanto as formas pelas quais as regulações de gênero tentam garantir a norma, nos ensinando e fazendo performar masculinidades e feminilidades que não só correspondam ao nosso sexo biológico (cisgeneridade) como tenham também uma correlação imediata com nossos desejos e afetos (heteronormatividade).Nestes projetos, muitas vezes foi preciso promover amplos debates e palestras (ou utilizar de recursos áudio-visuais) para apresentar gêneros e sexualidades não-normativos de forma responsável (e não detrupada como genralmente nos é apresentada pela sociedade), para só então desconstruírem preconceitos. A troca da “tolerância”, pelo “respeito” às diferenças aparece como carro chefe de muitos dos projetos de escolas que se propõem mais acolhedoras, igualitárias e engajadas.
Outro ponto que apareceu com grande recorrência nos projetos é a necessidade de incentivo e inserção de alunas mulheres nas áreas de ciências exatas e tecnológicas, e que é, inclusive, o foco orientador de um grande fundo de financiamentos de projetos chamado “Elas nas Exatas” e que desde 2017 vem financiando projetos em todo o Brasil. Esta temática me pareceu central tanto pela quantidade de projetos com este foco, mas também pela importância e urgência deste debate. Como bem nos mostram as teóricas Fox Keller (2006), Donna Haraway (2009) e outras feministas decoloniais como Maria Lugones, ao longo da história a modernidade implementou uma série de sistemas dualistas e binários conectados e violentamente impostos, nos quais as mulheres foram sendo associadas à vida doméstica, à esfera privada, à emoção e à natureza em contraposição ao homem que foi/é associado à esfera pública, às ciências duras, à cultura e à racionalidade. Neste mesmo movimento, por séculos houve uma sistemática exclusão de mulheres e de pessoas negras da produção científica e das ciências exatas o que resultou na produção de uma ciência masculinista, branca e cujos pressupostos que a embasam são amparadas pelas heterossexualidades masculinas e brancas de seus autores. Portanto, os projetos que propõem o incentivo e a inserção de mulheres em pesquisas de ciências exatas e tecnológicas, como a Astronomia, a programação, a física e a química, são projetos que além de promover oportunidades para jovens mulheres, de subverter os dualismos e binarismos violentos de gênero da modernidade, também ajudam a construir novas produções científicas, por novos corpos e que estarão, portanto, amparadas em pressupostos outros.
Há ainda um terceira questão que aparece bastante é a desconstrução dos papeis de gênero pré-estabelecidos – coisas de menina e coisas de menino – e dos preconceitos e desigualdades que acompanham estas separações, como por exemplo a questão do trabalho doméstico ser tarefa atribuída somente às garotas. Muitos projetos, portanto, visam fazer a distinção entre sexo biológico e gênero, enquanto algo socialmente construído, para mostrar que essas atribuições e diferenciações que fazemos entre homens e mulheres na sociedade são escolhas sociais e históricas e culturalmente produzidas. Há ainda alguns outros projetos, embora tenha sido mais comum em planos de aula e discursos dos coletivos auto-organizados, que vão um pouco mais longe e problematizam a própria noção de sexo biológico e a distinção binária entre dois sexos enquanto um processo socialmente informado e não puramente biológico. Estes últimos vão em direção ao que chamamos dos feminismos de terceira onda, ou pós-modernos, em que teóricas como Judith Butler, Fabíola Rohden, Anne-Fausto Sterling, Fox Keller e Donna Haraway nos mostram como nossas noções acerca dos corpos e da biologia também foram historicamente produzidos a partir de noções e estereótipos de gênero.
Outra questão que foi amplamente abarcada por inúmeros projetos e que deve ser sempre central em qualquer trabalho a respeito de gênero é a questão das interseccionalidades. Embora esse fosse um debate necessário em todo e qualquer projeto, me deixou muito esperançosa que pelo menos 11 projetos tenham a questão da raça, das mulheres negras e do feminismo negro como centrais.
Sara Lewis (2017) defende a interseccionalidades enquanto “interação complexa entre uma gama de discursos, instituições, identidades e formas de exploração que estruturam subjetividades (e as relações entre elas) em maneiras elaboradas, heterogêneas e frequentemente contraditórias.”Os estudos decoloniais e as feministas decoloniais como Maria Lugones (2015) e Ochy Curiel (2007) defendem que, uma vez que as colonialidades de gênero, de raça e de classe se impuseram de forma articulada e intrínseca na construção da modernidade (e em sua imposição no Encontro colonial), é impossível pensar qualquer uma dessas questões separadas. O que defendem é que as relações e corporalidades de cada pessoa e dos grupos estão transpassadas por cada uma dessas questões e que são questões que caminham sempre juntas. Desta forma, na construão de corpos e sujeitos ao longo de nossa história, a exclusão e violência contra o povo negro e a subjulgação das mulheres, articuladas, produziram uma exclusão interseccionada e ainda mais potente de mulheres negras. A luta pelo fim de tal exclusão deve ser o foco dos feminismos que se propõem a entender as mulheres não simplesmente como um bloco homogêneo fruto de uma mesma biologia, mas sim enquanto sujeitos plurais, interseccionados, produzidos historicamente e que devem se unir, separar e reorganizar de acordo com suas afinidades (como defende Haraway), suas histórias e suas políticas.
Com relação aos formatos e meios pelos quais os projetos se apresentam, é possível ver também uma ampla gama de possibilidades. Dentro das possibilidades de materiais, os projetos utilizam filmes, livros, músicas, artigos, documentários, poemas e o ciberespaço para explorar as temáticas das mais variadas formas e apresentar às alunas e alunos produções que abarquem e expliquem estas questões, algumas problematizando preconceitos, outras apresentando e desmistificando outras possibilidades de ser e gostar, outras trazendo á tona as histórias de grandes mulheres cujas trajetórias foram silenciadas ou nunca antes contadas. Além disso, os formatos de apresentação dos projetos também variam muito: palestras, aulas expositivas, debates em sala, rodas de conversa no contra-turno, atividades práticas, oficinas e intervenções no espaço escolar. No entanto, uma atividade que de alguma forma se fez em todos os projetos e me pareceu ser central em vários deles são as rodas de conversa e os debates em sala de aula. Creio que isto seja essencial para o desenvolvimento de qualquer projeto de gênero, feminismos e sexualidade, pois estes não são assuntos a que se possam permitir apenas aulas expositivas ou algo que se descole da vida cotidiana e das experiências das professoras, professores, alunas e alunos. Estas são questões que permeiam as vidas de cada uma delas e deles, todos os dias, a cada instante e que tentam moldar suas existências dentro da sociedade e, portanto, não só as alunas e alunos têm muito a contribuir em termos de experiências, de opiniões e de lutas das quais possam vir a participar ou concordar, mas também é necessário trazê-los para o debate de forma que se engajem efetivamente com as causas e problemas que os permeiam.